Nossas escolhas e aquilo que tentam “escolher” por nós


Freud fez uma famosa indagação, que até hoje está lhe custando caro. Disse que depois de ter estudado tudo que podia sobre a mente humana, havia uma pergunta que não conseguia responder:-”Afinal, o que querem as mulheres?”.“o que as mulheres querem, afinal? O que você diria?

Essa pergunta é muito comum e criamos o hábito de generalizar ao responder. Vamos atribuindo conceitos ou verdades absolutas a determinadas pessoas.  E importante percebemos o como essas generalizações fazem com que a  deixemos de ter uma visão mais ampla acerca de certas questões e de como isso nos limita. É difícil compreender que além das influências que são fruto de nossa educação e das nossas experiências, também temos escolha. E a escolha que eu ou que você faz pode não ser a ideal para o outro.

Recentemente duas variantes de resposta a Freud surgiram. Uma foi o livro da americana Erica Jong “O que querem as mulheres”(Ed.Record) e o  filme com o Mel Gibson “O que as mulheres pensam”, e um brasileiro “afinal o que as mulheres querem?”

Mas existe uma outra resposta que me parece a melhor para a questão plantada por Freud.Trata-se de uma lenda que, a rigor, antecede ao Freud.

Diz a estória, que o Artur – aquele da Távola Redonda- quando era jovem, certo dia cometeu uma infração: foi caçar na floresta de outro rei e acabou sendo preso e levado `a presença do outro monarca para ser punido. Deveria ser condenado à morte. No entanto, o rei que o deteve resolveu dar-lhe uma chance. Pouparia sua vida se conseguisse, dentro de um ano responder `a pergunta pré e pós freudiana:- “O que querem as mulheres?”.

Agradecido pela deferência, Artur saiu `a cata da resposta. Perguntava daqui, perguntava dali, mas nem os religiosos, nem os médicos, nem os inveterados conquistadores de corações femininos conseguiam lhe responder com clareza. Estava já o prazo se exaurindo, quando lhe informaram que havia uma bruxa que sabia a resposta. Foi procurá-la. Era uma bruxa como têm que ser as bruxas nas lendas: velha, desdentada, falando impropérios. Artur, no entanto, fez-lhe a pergunta. Ela lhe disse que lhe daria a resposta caso ela pudesse se casar com o cavaleiro Gawain, que era o mais belo e valoroso dos companheiros de Artur. Este, perplexo, foi ao amigo e lhe expôs a patética situação. Amigo que é amigo, sobretudo nas lendas, não vacila. Faria tudo para salvar o companheiro de peripécias, até mesmo casar com uma bruxa.
Acertada a condição, então, a bruxa respondeu à pergunta fatal, dizendo:- ” Sabe o que realmente quer a mulher? Ela quer ser senhora de sua própria vida!.. Artur e os demais, inclusive o rei que o havia condenado, ficaram todos atônitos, se dizendo, como é que nós não pensamos nisto antes, a resposta é simples e genial. E Artur foi então perdoado.

Evidentemente, muitas das nossas escolhas são norteadas pelos valores que nos foram e são transmitidos no cotidiano.  Estamos tod@s submetid@s, ainda que indiretamente, aos interesses de grupos dominantes e às suas ideologias incansavelmente difundidas para manter o status quo. Só que há uma linha bem tênue entre a tentativa de romper com o status quo e infringir liberdades individuais. E quando falo em liberdades individuais, me refiro a ideia de que podemos viver como bem entendermos, desde que não tentemos impor isso a ninguém como “modelo”, como o correto.

Acredito ser simplista falar  “no que toda mulher quer”.  Cada mulher pode querer muitas coisas diferentes, as vezes, todas ao mesmo tempo. Ela pode querer ser astronauta, ou ser mãe. Pode querer ter um amor ou vários. Pode querer viver a vida toda com os pais ou sair por aí para conhecer o mundo inteiro. Pode querer aprender coisas novas ou não. Pode sonhar com o casamento ou com uma carreira brilhante, ou em ter tudo isso junto. Por que não? É mesmo necessário separar?

Mas continuando a estória  de Arthur, o casamento tinha que se realizar, pois Gawain não era de deixar mesmo uma bruxa na mão. No dia das bodas, foi um vexame. A bruxa emporcalhava a mesa, ria com seus dentes faltosos, enfim, um espavento. Mas a festa foi continuando, foi- se aproximando a hora da chamada união carnal no branco leito nupcial. Mas aí, aconteceu algo surpreendente. Estava Gawain já preparado para o cadafalso erótico, quando surgiu-lhe uma deslumbrante e virginal donzela à sua frente. E antes que sua perplexidade continuasse a donzela disse que ela era a bruxa, ou melhor, uma das faces da bruxa. Estava mostrando a sua outra face, porque ele a tinha aceito como era; que de dia era a bruxa façonhenta, de noite aquela ninfa. Mas antes que consumassem a chamada união carnal, Gawain poderia decidir com qual das duas queria viver o resto da vida. Ou a feia que comprometeria sua imagem pública ou a perfeita, que ele, só ele, conhecia à noite. Gawain então disse que deixava à escolha dela, o que ela queria realmente ser e parecer. A noiva neste momento metamorfoseou-se para sempre na bela mulher do cavaleiro que o acompanharia noite e dia, pois ele havia respeitado nela o que ela realmente era.

Sendo assim, escolher é algo diretamente ligado a ser livre. É algo bastante pessoal, que remete a uma série de fatores alheios ao nosso controle. É uma atitude que certamente trará consequências. Faz-se necessário entendermos que não existe um padrão de comportamento ou de vontade homogêneo inerente à todos os indivíduos.  Acredito que as mulheres  deveriam sim ser iguais… tendo seus direitos assegurados, sobretudo o da escolha.

No Brasil e no mundo, as mulheres avançaram consideravelmente em vários setores. Este avanço se deu sempre na busca pela igualdade. Entretanto, como sugerem as pesquisas, este avanço não se deu na medida desejada. Ainda que sejam tão empreendedoras quanto os homens (e em algumas modalidades até mais do que eles), possuam uma média de anos de estudo maior, trabalhem mais e estejam com autoestima elevada, as distâncias a serem vencidas ainda são consideráveis. Além disso, elas continuam almejando um ideal romântico de parceiro, casamento para toda a vida, filhos e família. Neste contexto, a pergunta título me parece deslocada, com as dificuldades encontrando-se justamente na resposta, já que os homens não legitimam estes “quereres”, e nem se mostram preparados a ponto de escolherem uma parceira que lhes seja igual. Considerando a autonomia de nossos quereres, nascidos de dinâmicas internas ao gênero ao qual pertencemos e condicionados pela sociedade e pelas mudanças que nela ocorrem, talvez a indagação mais adequada seja: “Afinal o que nós, homens e mulheres, queremos hoje?”.

Regina Maria Faria Gomes- Psicóloga- CRP 29066/6

 

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