Maria Claudia Coelho, Doutora em Sociologia do Departamento de Ciências Sociais – UERJ- Rio de Janeiro, Brasil, escreve este artigo Gênero, Emoções e Vitimização: percepções sobre a violência urbana no Rio de Janeiro, pela revista Sexualidad, Salud y Sociedad – Revista Latinoamericana, No 10 (2012). Este texto visa examinar emoções relatadas em depoimentos de vítimas de assaltos a residências pertencentes às camadas médias do Rio de Janeiro. Insere-se na área de antropologia das emoções, adotando como perspectiva teórica, o “contextualismo” de Catherine Lutz e Lila Abu-Lughod. O ponto central desta perspectiva é a atenção voltada à capacidade micropolítica das emoções, tributárias de uma “gramática” social, sendo capazes, por isso, de dramatizar/alterar/reforçar aspectos “macro” da organização social que modelam as relações interpessoais. Os dados são um conjunto de entrevistas com casais que vivenciaram assaltos às suas residências. O objetivo é examinar as atitudes “prescritas” em seus relatos como “ideais” ou “eficazes” para lidar com a condição de vítima e sua relação com identidades de gênero. O foco da análise são as formas de “controle emocional” presentes em seus relatos, com ênfase na oposição entre o controle da raiva e o controle do medo. O artigo completo você pode ter acesso AQUI em Pdf. Abaixo alguns trechos desta sua reflexão:
O campo da antropologia das emoções conheceu um forte desenvolvimento a partir de meados dos anos 1980 nos Estados Unidos. Lutz (1988) recorre à noção de “etnopsicologia”, entendida como o conjunto de ideias de um determinado grupo social a respeito da vida emocional (aí incluídas emoções específicas), para esmiuçar a visão euro-americana das emoções. Para ela, a etnopsicologia euro-americana está articulada a de duas oposições: emoção/pensamento e e emoção/distanciamento. Na primeira oposição, a emoção é o polo negativo, estando ligada ao descontrole e sendo um atributo do feminino, representado como fonte simultaneamente de perigo e vulnerabilidade, exatamente devido a esta associação com o descontrole; nesta oposição, o masculino é o locus da racionalidade e do controle, entendidos como desejáveis e fonte de estabilidade. Na segunda oposição, a valoração se inverte, com a emoção passando a ocupar a polaridade positiva, associada agora à capacidade de envolvimento com o outro, em oposição ao distanciamento que seria típico do masculino, representado como frio e destituído de capacidade compassiva.
Em texto publicado na segunda metade dos anos 1980, Velho (1987) apontou para a existência de uma mudança em curso, na cidade do Rio de Janeiro, nas atitudes prescritas como “ideais” para os homens em situação de vitimização. Esta mudança dizia respeito a uma substituição do modelo tradicional que prescrevia como valor supremo a “defesa da honra” (exigindo uma reação sob pena de acusações de “covardia”) por uma “ideologia da sobrevivência” (na qual a vida é o valor maior, sua preservação legitimando a submissão ao agressor). raiva, mas sim o controle do medo.
Diversos autores, em estudos devotados à raiva ou ao medo, mostram o modo como estes sentimentos entrelaçam-se na experiência individual, não por acaso compartilhando a referência a Freud em sua visão da natureza da civilização como
uma busca de apaziguamento entre a necessidade do outro (gerada pelo desamparo fundamental da condição humana) e a agressividade em relação ao outro (gerada pelo princípio do prazer). Este entrelaçamento pode ser encontrado na análise de Delumeau (1989) sobre o medo, entendido como intrínseco à natureza humana embora histórica e culturalmente variável; ou na obra de Elias (1993) sobre o processo civilizador, em que o medo é visto como um potencial humano historicamente configurado; ou ainda no exame de Gay (1995) sobre a dinâmica medo-
-agressividade na experiência dos estudantes alemães no duelo conhecido como Mensur, em que o medo de não demonstrar coragem através da agressão ao outro engendra formidáveis dramas.
A partir de uma perspectiva interacionista, Katz (1988) discute uma dinâmica emocional que faz com que autores de homicídios passem de um sentimento de humilhação para um sentimento de raiva que os conduz à agressão, naquele momento entendida como único gesto capaz de salvaguardar uma identidade percebida como ameaçada pelas atitudes da vítima. Este conjunto de ideias, se tomado como pano de fundo para o exame dessas atitudes masculinas e femininas diante da vitimização, sugere que o autocontrole, quando o sentimento em questão é o medo, fala de uma percepção de si como pessoa vulnerável e desamparada, sujeita a agressões; já o controle de si, quando o sentimento em pauta é a raiva, fala de uma percepção de si como indivíduo perigoso e potente, um agressor em potencial.
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Regina Maria Faria Gomes- CRP 29086/6