Ensaio sobre o atual processo de medicalização da sexualidade

Seria a pílula anticoncepcional uma droga de “estilo de vida”? Ensaio sobre o atual processo de medicalização da sexualidade. Este ensaio escrito por Marina Fisher Nucci, pela  Sexualidad, Salud y Sociedad – Revista Latinoamericana, No 10 (2012), discute o processo de medicalização da sexualidade, refletindo sobre a pílula anticoncepcional hormonal e sua relação com o conceito de drogas de estilo de vida (entendido como medicamentos utilizados não necessariamente para tratar uma doença, mas para aprimorar a vida das pessoas). A pílula anticoncepcional, lançada em 1957 nos Estados Unidos, foi desde a sua criação destinada à utilização no dia a dia de mulheres saudáveis, e tornou-se um importante símbolo cultural, revolucionando a vida das mulheres e da sociedade em geral. Refletiremos, assim, sobre o surgimento da pílula anticoncepcional e suas transformações. Analisaremos também o atual marketing dos laboratórios farmacêuticos, cujo foco tem sido não tanto no efeito original de controle de natalidade, e mais nos efeitos secundários desejáveis que as novas pílulas poderiam proporcionar – como redução da acne e tratamento de “problemas de humor” relacionados à menstruação – “adequando-se”, assim, ao estilo de vida da “mulher moderna”.

Para ler o artigo completo  veja Aqui. Abaixo alguns trechos:

Alguns exemplos de eventos da vida cotidiana que começam a ser tratados a partir da expertise médica são o controle da natalidade, a menstruação, a menopausa e o envelhecimento, que têm passado por um processo recente de medicalização (Loe, 2006; Scymczak & Conrad, 2006). É preciso notar, entretanto, que há diferentes graus de medicalização. Alguns eventos ou condições podem ser mais ou menos medicalizados. E uma vez medicalizados, podem vir a se “desmedicalizar”.Do mesmo modo, categorias médicas poderão se expandir, contrair, ou desaparecer.

Ligada ao processo de medicalização e criação de um mercado consumidor para produtos médicos e farmacológicos, vem à tona, portanto, a tendência de criação e multiplicação de “drogas de estilo de vida”. Essas drogas têm o objetivo
de tratar condições que não seriam consideradas patológicas (um risco à vida e à saúde), mas sim problemas que poderiam limitar/ dificultar a vida das pessoas, como a calvície, a falta de atenção e a disfunção erétil, por exemplo. Com isso, as “drogas de estilo de vida” prometem tornar a vida mais confortável e mais agradável. O objetivo, desta forma, é o aperfeiçoamento e o aprimoramento da vida, tornando-a “mais do que boa”2 (Mamo & Fishman, 2001:16-17). Assim, as “drogas de estilo de vida” relacionam-se ao conceito de aprimoramento: seu objetivo não é, primordialmente, o tratamento de uma doença, mas o aperfeiçoamento de determinadas performances ou aparências corporais.

A fertilidade e a reprodução têm sido tratadas ao longo da história como um assunto feminino, e não masculino. Essa assimetria fica evidente quando pensamos em tecnologias contraceptivas, que focam quase exclusivamente o corpo feminino.

A popularidade e a difusão da pílula anticoncepcional foram – e continuam sendo – enormes, além de terem possibilitado profundas transformações na vida das mulheres e na sociedade de maneira mais ampla. As pílulas anticoncepcionais hormonais utilizadas atualmente, entretanto, já são bastante diferentes daquela lançada em 1957. O uso da pílula anticoncepcional por um número crescente de mulheres fez com os laboratórios farmacêuticos buscassem desenvolver novas pílulas – novas “gerações” de pílulas, como são chamadas – com dosagens hormonais cada vez menores, necessitando de menos matéria bruta e tendo efeitos colaterais menos significativos.

Outra questão relevante é a menstruação que, se antes devia ser mimetizada mensalmente pela privação dos sangramentos, é agora vista como algo capaz de atrapalhar a vida das mulheres. Assim, por não serem medicinalmente necessários para as usuárias da pílula, os sangramentos poderiam ser reduzidos, seja através de fluxos menores ou mesmo da sua ausência mensal. O marketing em torno das novas gerações da pílula vai além, não se preocupando
apenas em promovê-la como um medicamento de estilo de vida, mas como um produto adequado ao “estilo de vida da mulher moderna”. Trata-se, portanto, como anunciado no romance de ficção científica de Margaret Atwood, de uma
única pílula que, acredita-se, seria capaz de tornar a vida das jovens e “modernas” mulheres better than well.

 

Marina Nucci – Mestre em Saúde Coletiva , Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ) Doutoranda em Saúde Coletiva (IMS/UERJ) Rio de Janeiro, Brasil   email: marinanucci@gmail.com

Regina Maria Faria Gomes- Psicologa-

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