Educação e cultura: ingredientes para desconstruir a violência contra nós mulheres

Vamos começar essa reflexão lembrando que o que nós somos nesse momento, o modo como pensamos o mundo, como agimos nele e como nos relacionamos com as pessoas e a natureza é fruto daquilo que aprendemos nos grupos sociais que participamos, portanto, na família, escola, igreja, trabalho, sindicato, associação, e tantos outros. Isso quer dizer que em todos esses lugares e com todas as pessoas com as quais nos relacionamos nesses lugares, vamos construindo valores, atitudes e comportamentos que nos modelam e nos formam (ou deformam) para a vida.

Assim, se a gente enxergar direito vamos ver que é nessas relações onde aprendemos que as meninas e mulheres são ou devem ser de um jeito e os meninos e homens de outro jeito. Aquelas devem lavar, passar, arrumar a casa e cuidar dos filhos. Destinando todo seu tempo para cuidar dos outros/as, não conseguem participar da vida do bairro e da cidade e, muitas vezes sem direito a divertimento ou a decidir sobre sua própria vida têm seus desejos, tempos, capacidades e até seus corpos colocados a serviço dos homens. Já aqueles têm muito mais liberdade e poder. São eles que devem trabalhar fora de casa e se liberar totalmente das tarefas domésticas, podem ocupar as ruas, bares, câmaras de vereadores, fóruns, etc., decidindo tanto os destinos da família, incluindo o de nós mulheres, como os da natureza e da política.

Nossa longa história já nos mostrou que foi e é esse modo de pensar o mundo, as pessoas e a natureza que tem privilegiado os homens e causado uma série de opressões a nós mulheres. Quem de nós não se sente angustiada, impotente ou cansada diante de tantas obrigações e quase nenhum direito? Quem de nós não passou por violências e exploração e não soube o que fazer, ou não teve com quem contar? Quem de nós já não foi calada, abandonada à própria sorte e, na melhor das hipóteses, “se acomodou”?

Mas precisamos saber que na história de mulheres e homens nada acontece por acaso.

A cultura da violência entre nós, que faz com que tudo se resolva por meio de agressões e ameaças; a crença na existência de hierarquias entre os seres humanos que faz com que homens valham mais que mulheres; pessoas brancas mais que negras; ricas mais que pobres; adultas mais que crianças e idosas; heterossexuais mais que pessoas que amam pessoas do mesmo sexo; seres humanos mais que a natureza, e que torna todas as discriminações e desigualdades entre homens e mulheres legítimas, são produto de uma educação discriminadora porque sexista, racista, elitista, homofóbica e centrada nos seres humanos. Uma educação que aprendemos em todos os lugares onde convivemos, mas que se realiza principalmente no espaço da educação formal, que é a escola, e que mais tarde vai se transformando em menos poder, menos participação, menos direitos e em diferentes formas de violência contra nós mulheres na família, políticas públicas, legislações e noutros espaços da vida.

Precisamos nos rebelar contra essa forma de modelar o pensamento e o jeito de viver, construindo uma capacidade que seja, ao mesmo tempo, de indignação e de proposição, pois temos direito a uma vida com tranquilidade, com protagonismo e sem violência.

A história que acontece no cotidiano

No cotidiano de nossas vidas, quer seja nas nossas casas, nas ruas, no trabalho, igreja, etc., conhecidos como espaços públicos, testemunhamos e algumas vezes também somos atingidas por situações de violência. São pessoas morando nas ruas; é o desemprego; o analfabetismo; a falta de leito nos hospitais; a poluição dos rios; a desnutrição; as mortes violentas; a mortalidade materna; o racismo, as ameaças, a utilização das mulheres e seus corpos como objeto pela mídia; o espancamento; etc.

Esses tantos jeitos da violência se expressar e a grande quantidade de vezes em que ela se repete bombardeiam o nosso cotidiano a tal ponto que, depois de um tempo, deixamos de nos perguntar por que elas acontecem. Quando isso ocorre, a violência se transforma em algo banal, pior, algo que parece não nos dizer respeito porque imaginamos, erradamente, ser um acontecimento que apenas atinge ao outro/a e, por sua própria responsabilidade, como ocorre com a violência contra nós mulheres.

Ora, toda a violência intenciona nos imobilizar, capturar nossa capacidade de desejar e agir, nossa liberdade e autonomia sem a qual não podemos vivenciar nossa humanidade e ser sujeitos de nossas vidas e da vida da sociedade. Para ela existir sempre há um responsável, quer seja uma pessoa, quando a violência se dá nas relações individuais, ou uma instituição, como no caso do desemprego ou do analfabetismo, mas ela sempre acontece a partir da dominação do outro ou outra.

Muito embora nós mulheres estamos sujeitas as mesmas violências que as demais pessoas, há violências que somente atinge a nós mulheres, pelo simples fato de sermos mulheres. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) chamou essas de violência doméstica e familiar, ou seja, qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Isso quer dizer que ela pode se dar no interior das residências, da família e das relações afetivas, mesmo que não haja coabitação, e o sentimento de afeto e a relação de poder sempre está presente nas relações entre vítima e agressor.

É desse jeito que a violência atinge a um só tempo o nosso corpo e a nossa alma, ferindo nossa autoconfiança e crença no mundo, causando uma espécie de vergonha social de nós mesmas porque perdemos também a capacidade de nos pensar como pessoa em igualdade de condição na relação com as outras. Pensar sobre isso nos ajuda a entender porque tantas de nós não consegue romper o ciclo das violências que nos atingem.

Este artigo foi escritos por Rivane Fabiana de Melo Arantes: educadora do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia e integrante do CLADEM Brasil – Comitê Latino-Americano e do Caribe para a defesa dos direitos das mulheres

Ler íntegra do artigo clique aqui

Fontes:  Uniiversidade Livre Feminista: http://www.feminismo.org.br/livre/index.php?option=com_content&view=article&id=99993324:educacao-e-cultura-ingredientes-para-desconstruir-a-violencia-contra-nos-mulheres&catid=99:opiniao-e-analise&Itemid=620

SOS Corpo – http://www.soscorpo.org.br/home/entry/educacao-e-cultura-ingredientes-para-desconstruir-a-violencia-contra-nos-mulheres-.html

Regina Maria Faria Gomes- Especialista em Psicologia Clinica.

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