Nelson Mandela – Direitos Humanos e psicologia

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender.  E se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta.”

(Nelson Mandela)

ComentáriosSobre Nelson Mandela é bom lembrar que em 11 de fevereiro de 1990 ele era libertado, depois passar 27 anos na prisão. Ele foi importante líder na luta contra o regime de exclusão racial chamado de apartheid adotado em 1948 pelo governo da África do Sul. Negros e brancos eram obrigados a viver separados justamente no ano em que, no mês de dezembro, as Nações Unidas instituíram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E a declaração diz em seu artigo segundo: “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,  religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”

Mandela liderou diversas manifestações contra o regime de segregação racial sulafricano até que, em 1964, ele foi condenado a prisão perpétua. Isso ocorre no mesmo ano em que no Brasil se inicia a ditadura militar.Da prisão Mandela conseguia manter vivo o desejo de viver negros e brancos viverem com direitos de igualdade em seu país, enquanto que no Brasil o regime militar conseguia calar lideranças contrárias ao regime e mandou muitos para o exílio.

Assim, os dois países vão seguindo seus rumos até que em 1988 o Brasil encerra definitivamente o regime militar com a promulgação da nova constituição. No ano seguinte a África do Sul começa reduzir as imposições do apartheid, permitindo que brancos e negros frequentem prédios públicos. Mandela tem a prisão revogada e é solto em 1990.

No Brasil a  pluralidade, construída por várias raças, culturas, religiões,  deveríamos, pela diversidade de nossa origem, pela convivência entre os diferentes, servir de exemplo para o mundo.

Entretanto, muitas vezes, o preconceito existe e se manifesta pela humilhação imposta àquele que é “diferente”. Outras vezes o preconceito se manifesta pela violência. No momento em que alguém é humilhado, discriminado, agredido devido à sua cor ou à sua crença, ele tem seus direitos constitucionais, seus direitos humanos violados.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo revelou que grande parte dos brasileiros – 87% – admite que há discriminação racial no país, mas apenas 4% da população se considera racista. Assim sendo, o racismo no Brasil é camuflado, mas perceptível, pois mantêm as desigualdades sócio-raciais em todos os âmbitos e, nesse sentido, é fundamental debater sobre essa questão em todas as esferas institucionais, desde a família, e principalmente nas escolas, uma vez essa instituição é tida como um dos principais locais formadores de opinião, podendo ser o local que formará o cidadão com consciência política. Se a educação foi utilizada para construir preconceitos, ela pode e deve ser utilizada para a desconstrução social do preconceito e da discriminação racial.
Por essa razão, a promulgação da Lei 10.639 – que em 2008 ganhou uma nova versão (Lei 11.645), incluindo também a temática indígena – abriu grandes possibilidades rumo ao caminho da construção da igualdade e da desconstrução de
atitudes e posturas discriminatórias no espaço escolar.

E quanto a nós psicologos e psicologas vamos verificar a nossa capacidade analítica exatamente para a focalização dos saberes e práticas  de modo a verificar as nossas inclinações, nossos compromissos e os nossos comprometimentos. Até que ponto eles se identificam com a ampliação dos direitos e das autonomias dos sujeitos e dos grupos sociais e, até que ponto eles se colocam na contramão, suscitando o preconceito, patrocinando a discriminação e mantendo o status quo?

Como é fácil em nossa profissão confundir o que é trabalhar diferenças. Ouvir conflitos, perceber dificuldades extremas e de lados opostos… não é tolerar tudo ou relativizar qualquer coisa.

Sendo a destruição da identidade da pessoa negra o alvo principal de uma sociedade racista, o que tem feito a Psicologia e os/as psicólogos/as quanto a isso? Que escuta, qual o tipo de intervenção? Alguma crítica tem sido feita quanto ao material utilizado? É urgente refletir sobre essa temática no âmbito da Psicologia contemplando os vários campos do saber psicológico.

Na clínica, a grande atenção deve ser para a escuta terapêutica. A fala de quem se sente perdido, com agonia de identidade ou mesmo quando há dificuldade de relacionamento, quer seja na vida afetiva ou profissional, pode revelar problemas na identidade racial como pano de fundo. Com crianças negras, o que se faz para favorecer a construção de uma identidade negra? Ou se alimenta o ideal branco, deformando a identidade, com a utilização de bonecos e bonecas brancas?

Por outro lado, no psicodiagnóstico, alguém já se questionou quanto à qualidade da projeção de um adolescente ou adulto a partir de um material bem estruturado, onde as figuras à mostra são brancas? Para as pessoas negras, as figuras apresentadas fogem da sua imagem real, mas reforçam a ideal. Será que na interpretação dos resultados isso é levado em conta? Dessa forma, não estaremos reforçando a necessidade de a pessoa negra alimentar o ideal de ego branco? Por que nenhum teste psicológico com figuras humanas possui pessoas de outras raças? Precisamos parar para pensar nisso quando escolhemos nosso material de trabalho.

O ambiente escolar não estimula a identidade negra; o belo ainda é a criança branca, de cabelos lisos e loiros, nos quais a “tia” adora passar a mão, convidando-a para ser a rainha do milho ou para ser o anjo em uma encenação natalina, ou mesmo para ficar sempre na frente em uma apresentação de dança. Lugar onde comumente não cabe uma criança negra.
Por quê? Sem ter aceitação no espaço escolar e sem estímulo à sua identidade, estudar para quê? Sem ser estimulado nos acertos e sendo criticado severamente ou chacoteado diante dos seus erros, aprender para quê? Muitas vezes, por não ser vista, a criança negra (como um filho nessa situação faz com seus pais), acaba percebendo que é notada por seus erros, por seu comportamento inadequado, como: conversar o tempo todo, bagunçar, ser agressiva com os companheiros etc. E o(a) psicólogo(a)  faz o que com isso?

Enfim, Psicologia trata do ser humano, com suas peculiaridades e diversidades. A realidade das relações raciais no Brasil é uma peculiaridade que existe e resiste, mesmo para quem não quer ver. Por um lado, as universidades precisam oferecer, na grade curricular, estudos sobre direitos humanos, diversidade e relações raciais. E cabe ao profissional de Psicologia escolher entre ser omisso ao compromisso assumido ou se comprometer com a coerência das ciências humanas.

Fonte: Os Direitos Humanos na prática profissional dos psicólogos

Regina Maria  Faria Gomes – Psicóloga – CRP 29086/6ªregião- SP

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